Mais de 90 milhões de toneladas de vestimentas são desperdiçadas por ano no mundo, volume que deve dobrar até 2030
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A MÁQUINA - Fábricas na China: 75% das peças exportadas no planeta vêm de lá (Qilai Shen/Bloomberg/Getty Images)
O desejo por novidade e o acesso a qualquer loja do planeta a um simples clique geram um poluente efeito colateral. Onde vai parar a montanha de peças rejeitadas no guarda-roupa de bilhões de pessoas? Com a febre do consumo e a oferta de acessórios de moda mais baratos, o lixo têxtil se tornou um dos maiores dilemas ambientais e sociais da atualidade.
São 92 milhões de toneladas de vestimentas desperdiçadas por ano no planeta, volume que deve dobrar até 2030. O que fazer com tanta roupa sem dono e que ninguém quer? O excesso de refugo, quando não vai parar em aterros sanitários, é exportado das nações mais desenvolvidas para países da África, Ásia e América Latina. O Deserto do Atacama, no Chile, já ganhou fama pelas montanhas de roupas despejadas ali, que viraram parte do relevo da região. O fato, inconteste, é que não dá mais para deixar o problema sob o tapete.
DESERTO DE LIXO - Roupas descartadas no Atacama: parte do relevo da região (Antonio Cossio/DPA/Getty Images)
Em primeiro lugar, porque o impacto para o meio ambiente é devastador. As roupas de algodão demoram ao menos vinte anos para se desintegrar, e as de material sintético, mais de um século. Para lidar com o fluxo de peças absurdo, uma pesquisa inédita do Instituto Real de Tecnologia de Melbourne, na Austrália, analisou o caminho das roupas escanteadas e traçou soluções a fim de criar um ecossistema de produção e consumo sustentáveis. “É fundamental fortalecer o mercado de usados para que consigamos competir com a indústria da moda”, disse Yassie Samie, principal autora do estudo. A pesquisadora se refere a brechós e bazares beneficentes, que não são considerados, pela maioria dos consumidores, a primeira opção de local de compra. Embora não tenham infraestrutura para absorver e vender grandes volumes, eles seriam o melhor canal para encolher as pilhas de lixo e evitar a terceirização do problema a outros países.
Para tanto, é necessário o envolvimento do poder público local. “As prefeituras precisam criar incentivos, como subsidiar galpões para o armazenamento e a venda de roupas destinadas à caridade”, afirma Samie. Em outras palavras, é preciso ter políticas de coleta, reciclagem e destino, além de campanhas de conscientização ambiental contra o desperdício. Depois da indústria do petróleo, a moda é o setor que mais polui: libera 8% dos gases do efeito estufa e desperdiça 20% da água do globo.
SEGUNDA MÃO - Loja da plataforma Enjoei: expansão do modelo de brechós (./Divulgação)
Das 170 000 toneladas de roupas produzidas por ano no Brasil, apenas 20% são recicladas ou reaproveitadas, de acordo com o mais recente levantamento do Sebrae. Do maior polo têxtil nacional, o bairro do Brás, em São Paulo, dezesseis caminhões lotados de restos de tecidos saem diariamente para descarregar em lixões. Muito desse material ainda fica pelas ruas e entope galerias pluviais.“A indústria da moda demorou muito para começar a incorporar questões de sustentabilidade na cadeia produtiva”, diz Juliana Picoli, coordenadora de projetos do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Grandes redes já estão fazendo a lição de casa ao adotar sistemas mais amigáveis ao planeta. Recentemente, a Renner lançou uma campanha para anunciar que, de cada dez peças produzidas para sua cadeia de lojas, oito atenderão ao padrão de sustentabilidade — daí a preferência até por fios reciclados das sobras de cortes de tecidos para a confecção das roupas. O grupo ainda adota a inteligência de dados para diminuir a pegada de carbono do ciclo fabril. E, junto a outras marcas do segmento, patrocinou o Eco Fashion Week, o maior evento do gênero na América Latina. Outro exemplo vem da gigante C&A, que passou a oferecer mais de 200 pontos para a coleta de roupas usadas em boas condições. Desde 2006, monitora os fornecedores com o objetivo de detectar agravos ambientais e problemas de mão de obra irregular.
Entre as saídas para diminuir o lixo têxtil, o estudo australiano recomenda algo ruidoso: a proibição das propagandas comerciais para diminuir o desejo pelo novo e fortalecer o mercado de usados. O preconceito contra a roupa de segunda mão, é verdade, diminuiu nos últimos anos, inclusive no Brasil, com a abertura de brechós empenhados em garimpar artigos seminovos. Um dos casos bem-sucedidos é o da plataforma Enjoei, criada há quinze anos. São 4 milhões de usuários e 85 milhões de produtos à venda pela internet e em três espaços físicos. Parece difícil frear a publicidade do universo fashion, e é natural que ela prossiga, mas ao menos há um movimento de conscientização pregando o respeito ao ambiente na hora de se vestir. É chique, sem dúvida.
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